«Vocês sabem o que significa amar a humanidade? Significa apenas isto: estar satisfeito consigo mesmo. Quando alguém está satisfeito consigo mesmo, ama a humanidade. » Pirandello

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

ARACY DE CARVALHO (1908-2011) – SOLIDARIEDADE E VALENTIA

O livro de Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas, a sua obra maior, foi dedicada a Aracy Carvalho, sua segunda mulher. Além do seu nome estar ligado a esta grande obra da literatura em língua portuguesa, Aracy foi um exemplo de solidariedade e valentia, como é revelado no livro JUSTA– Aracy de Carvalho e o resgaste dos judeus: Trocando a Alemanha nazista pelo Brasil,  escrito pela historiadora, Mônica Raisa Schpun.

A vida de Aracy de Carvalho reflecte a história de uma época, com constrangimentos, emigração, perseguições, guerra, diplomacia, etc.

Vítima pelos preconceitos sofridos pelas mulheres casadas separadas, Aracy nos anos 30 partiu para a Alemanha de navio, com o seu filho de 5 anos.  Em 1937 na Alemanha começou a perseguição aos judeus, nas formas de expulsão das escolas, universidades  e serviço público e a perda de direitos e propriedades. Aracy, era uma pessoa culta e poliglota mas vivia com dificuldades. Foi nessa altura admitida como chefe da secção de passaportes do Consulado do Brasil, em Hamburgo, onde João Guimarães Rosa era cônsul adjunto.

Em 1939 a Alemanha invadiu a Polónia e a no ano seguinte invadiu a França. Aracy desafiou a política do anti-semitismo e de restrição à concessão de vistos a judeus pelo governo de Getúlio Vargas, facilitando a concessão de centenas de vistos. Aracy omitia dos superiores informações que identificassem o pedido como de um judeu, alterava profissões para enquadrá-los nas cotas estipuladas pelo governo brasileiro e procedia à liberação com celeridade.

Segundo Mônica Schpun o risco corrido por Aracy Carvalho era muito grande, além da demissão, seria entregue à polícia nazi.

Nessa altura já namorava com Guimarães Rosa, com quem casou em 1948. Na década de 80 Aracy revelou: «não tinha medo, quem tinha medo era o Joãozinho, mas ele não se metia e deixava-me ir em frente». Por seu lado Guimarães Rosa escrevia no seu diário: «passeei  de automóvel com Ara, até crianças de 4 anos vi com o distintivo amarelo, infamante»!
Em Julho de 1941 foi criada a Comissão Militar Brasil-EUA, através da qual os norte-americanos cederam 200 milhões de dólares de equipamento militar em troca da cedência dos portos brasileiros para armazenamento de combustível destinado aos navios americanos. Os EUA mantinham-se um país neutro e não beligerante.
Nesse mesmo mês, um submarino alemão deteve próximo de Cabo Verde o navio mercante «Siqueira Campos» para ser revistado. Em 1942 foram afundados 12 navios brasileiros por acção de submarinos, assim como 5 navios de cabotagem e um iate no Estado de Sergipe. A origem destes ataques, nunca foi completamente esclarecida, mas motivou que em 31 de Agosto de 1942 o Brasil declarasse guerra ao Eixo.
Na sequência desta decisão, as relações Brasil com a Alemanha ficaram tensas e motivaram uma troca de diplomatas. Guimarães Rosa e Aracy ficaram fechados num hotel durante três meses à guarda da Gestapo, até poderem regressar, uma situação perigosa para Aracy.
O Brasil integrou depois as forças aliadas e enviou tropas para a Itália.
Em 1956, Guimarães Rosa publicou, Grande Sertão: Veredas, que provocou uma metamorfose na literatura brasileira, com os seus neologismos e realismo mágico, que o colocaram no centro da narrativa do país.
No curso da História no Brasil, aconteceu o golpe militar em 1964, a ditadura endureceu, surgiu  a resistência… O cantor Geraldo Vandré compôs a canção «Para não dizer que não falei de flores», que se tornou  um hino de oposição ao regime autoritário. «Quem sabe faz a hora/ Não espera acontecer…refrão da música que levou Vandré a ser perseguido e preso. Aracy de Carvalho nos anos 70, acolheu e escondeu Gerlado Vandré das autoridades brasileiras, quando estava a ser perseguido.
Em 1982, Aracy de Carvalho foi agraciada com a mais alta condecoração, dada aos não judeus que arriscaram a vida para proteger vítimas do Holocausto.
O livro de Mônica Schpun, publicado recentemente no Brasil,  incluiu relatos de refugiados judeus e dá luz ao activismo secreto de Aracy e à dimensão do seu humanismo.

JUSTA – Aracy de Carvalho e ao resgate dos judeus: Trocando a Alemanha nazista pelo Brasil
Mônica Raisa Schpun ( Historiadora da Escola dos Altos Estudos em Ciências Sociais, de Paris)
Ed. Civilização Brasileira

http://pt.wikipedia.org/wiki/Aracy_de_Carvalho_Guimar%C3%A3es_Rosa

Sem comentários: