«Vocês sabem o que significa amar a humanidade? Significa apenas isto: estar satisfeito consigo mesmo. Quando alguém está satisfeito consigo mesmo, ama a humanidade. » Pirandello

sábado, 14 de janeiro de 2012

DOLORES IBÁRRURI – LA PASIONARIA

Dolores nasceu na aldeia de Gallarta, na província basca da Biscaia, em 1895, sítio dos operários de uma mina de ferro a céu aberto. Com o passar dos anos e continuação dos trabalhos de exploração do metal, a mina de Abanto y Ciérvana, virá a transformar-se num gigantesco buraco, o ponto de menor altitude de todo o País basco, atingindo vinte metros abaixo do nível do mar.
Desgastando grande parte dos seus dias no trabalho árduo e o que restava na taverna, à maioria dos operários apenas sobravam energias para, de uma maneira ou de outra, aceitarem o deu destino, numa Espanha imensa que tinha por hábito reprimir com as armas da Guarda Civil, qualquer tentativa de revolta popular. Muitas mulheres teriam um papel importante na dissuasão dos seus homens quanto a brigas com as forças de segurança, já que lhes seria insuportável a simples ideia de ficarem sem o marido ou sem um filho, ou terem de cuidar deles feridos ou estropiados e sem um salário, a somar ao trabalho de casa e às crianças pequenas.
Foi neste ambiente que cresceu aquela que viria a ser conhecia como a «Passionaria»: como a flor da paixão ou, num sentido não muito distante, aquela que se quer associar à Paixão de Cristo, na semana que antecede a Páscoa. Alguns críticos virão mais tarde tentar reduzir-lhe a estatura, alegando que a maior parte é mito, no entanto foi uma mulher de armas, uma das mais célebres e mais fotografadas durante a Guerra Civil de Espanha.
Isidora Ibárruri Gómez, filha de mineiro, é uma dos alguns filhos sobreviventes.  Foi marcada pela formação católica. Duas heranças cruzaram-se para produzir nela um efeito de cariz quase mitológico: a profissão de mineiro do pai e dos irmãos e o feitio combativo da mãe. Com um sentido grande de justiça, Dolores cresceu na consciência pura de uma sociedade assente em desigualdades sociais, com operários que se matam a trabalhar e uma minoria de famílias que enriquece à custa deles. «Sempre fui muito rebelde, desde pequenina. Diante da injustiça sempre reagi violentamente. Se a minha mãe me castigasse sem um motivo eu armava logo uma grande confusão.»
Dolores teve resultados brilhantes na escola, a tal ponto que a professora pediu aos pais que a deixassem seguir estudos, para ser professora primária, mas com a falta total de recursos, foi trabalhar em trabalhos domésticos. Apreendeu depois costura e dedicou parte do seu tempo aos livros e é a partir daí que obtêm a sua formação.
O seu pai está ao lado dos carlistas, movimento de apoio à linha de sucessão ao trono que descende de Carlos de Borbón, vencida no século XIX pelos descendentes de Fernando VII. Mais tarde, durante a Guerra Civil de Espanha, os carlistas estarão entre os conservadores, lutando ao lado da Falange, que apoia Franco. Mas por agora, são apenas uma frente de oposição ao regime instalado. O pai de Dolores por cansaço, começou a mandar a filha adolescente às reuniões, para que lhe traga as novidades. É assim que Dolores adquire uma escola de activismo político.
Com a sua lucidez argumentativa e o conhecimento de causa quanto à vida dos operários,  inscreveu-se em 1916, no Partido Comunista.  Aí conhece o líder comunista Julián Ruiz, com quem se casou.
Começou a escrever  no jornal «El MineroVizcaíno», inaugurando o pseudónimo «La Passionaria». A sua «persona» política constrói-se assim, com toda a sua experiência. Um dos traços da sua imagem de marca, está nas roupas pretas que veste, um eterno luto pelas sucessivas mortes de gente querida, incluindo a morte de três filhos, dos cinco que teve.
Esse luto com que se apresenta em público dá força às suas ideias humanistas e revolucionárias, acentua-lhes a gravidade dos discursos, nas reuniões que tem com os trabalhadores e dá-lhe fama de senhora abençoada por uma capacidade oratória extraordinária.
Em 1930 é eleita para o comité central e dois anos depois é nomeada para dirigir a comissão feminina do partido.
Separa-se do marido e vai para Madrid, onde começa a escrever para o jornal diário «Mundo Obrero». O mito está em plena construção, já ninguém desconhece esta mulher, de grande estatura física e portadora de mensagens autênticas de revolta.
A ditadura do general Primo de Rivera cai em 1931, na sequência da crise económica mundial, seguindo-se a queda da monarquia de Afonso XIII. A Espanha, agora republicana, tem de constituir um governo, e Dolores participa nas Cortes Constituintes como deputada do Partido Comunista das Astúrias.
Visita então Moscovo pela primeira vez, conhecendo pessoalmente Estaline, e em 1934 preside o primeiro congresso do Comité de Mulheres do Partido, seguindo-se um congresso idêntico internacional, em Paris. Ao longo destes anos de envolvimento crescente é detida diversas vezes, acusada de actividades subversivas que com frequência se convertem em agitação nas ruas.
O Verão de 1936 marca o início da Guerra Civil de Espanha. Unindo-se numa Frente Popular republicana, os movimentos de esquerda ganharam as eleições na Primavera. Mas os opositores de direita, que incluem a pesada estrutura militar, a Igreja, os monárquicos e os fascistas da Falange espanhola, são liderados pelo general Francisco Franco num golpe para derrubar o governo.



Na Catalunha e outras regiões do norte, forças populares armam-se como podem e vêm para a rua tentando conter o exército. Começam de ambos os lados as execuções sumárias, vindo a saldar-se, ao fim de três anos de lutas corpo a corpo, em mais de quatrocentos mil mortos. Ambas as partes serão apoiadas por forças internacionais. Ao lado da Frente Popular vêm combater intelectuais americanos e britânicos, como Eernest Hemingway e George Orwell. Como apoio aos fascistas há os bombardeamentos da força área alemã, que deixam um rasto de destruição nazi, como é o caso de Guernica.
Dolores continua a escrever, a discursar e a participar nas frentes de batalha. Transforma-se numa das figuras mais emblemáticas da guerra, vindo a ser considerada uma heroína. Datam desta altura os seus slogans: «Antes morrer de pé do que viver de joelhos». E sobretudo a palavra de ordem, sobre os fascistas, «No passarán». Apesar da ligação da estrutura da igreja à Falange, ela nunca abandonou a sua formação católica e defendeu religiosos e freiras em conventos, recusando a fúria anticlerical de alguns movimentos anarquistas. Intervém no sentido de transferir cidadãos espanhóis para a União Soviética, acabando por seguir ela mesmo esse caminho.
Uma agravada divisão interna da esquerda abre caminho à vitória das tropas de Franco, e o fascismo instala-se em Espanha, para durar. Do seu exílio de quase quarenta anos em Moscovo, Dolores é eleita secretária geral do Partido Comunista de Espanha em 1942, e em 1960 passa a ser sua presidente. Visita outros países comunistas e, com as sucessivas revelações do terror estalinista, ela será também alvo de duras críticas. Além das observações ideológicas, atiram-lhe também acusações de promiscuidade sexual, mas haverá sempre quem queira restaurar a sua memória de heroína do povo e de figura tutelar da esquerda durante a Guerra Civil.
 

Um ano após a morte de Franco, Dolores regressou a Espanha, com quase 81 anos e morreu nesse mesmo ano de pneumonia.
A mulher que será celebrada nas palavras certeiras de poetas como Rafael Alberti e Antono Machado, ainda que esquecidas as proezas durante a guerra e ainda que baralhadas as razões ideológicas com acusações múltiplas, ficará sempre, pelo menos, como inspiradora e actuante de alguns slogans poderosos. Como este: «Mais vale ser viúva de um herói do que esposa de um cobarde».


[C & H]

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