Um saber certo os livros transmitem: o de que o tempo não passa por eles, se a qualidade os marca. Não há livros ultrapassados, cada um tem individualidade própria e quase orgânica, se a frase nele pulsa ao ritmo dos sentidos de que o leitor se apercebe na rede discursiva que o prende.
Quando li a primeira vez a «Filosofia de Alcova» do Marquês de Sade, o livro centrou-se no aspecto erótico, depois fiz uma outra leitura com outra bagagem e concentrei-me mais no aspecto da emancipação do homem. Na filosofia do erotismo sadiano o que captei, foi a relação entre o prazer e a crueldade, que está lá para se questionar e enjeitar. As ilações que se podem tirar são duas: ou o crime compensa (o crime não é amor, pois a dádiva implicada neste não se alia à infracção – fractura – feita no corpo amado) ou a ideia de revolução é complexa utopia, mais mentale que cosa, ideologia no sentido pleno negativo.
O modernismo desta leitura actuante de Sade consiste em mostrar que só a articulação de signos e símbolos pode criar a inteligibilidade do corpo a ler, e a verdade é que o romance, com as páginas «revolucionárias» da Filosofia de Alcova sempre em mente para a sua leitura, acaba por nunca a elas chegar.
LEGADO DE SADE
Além de escritor e dramaturgo, foi também filósofo de ideias originais, baseadas no materialismo do século das luzes e dos enciclopedistas. Lido enquanto teoria filosófica, "o romance de Sade oferece um sistema de pensamento que desafia a concepção de mundo proposta pelos dois principais campos filosóficos no contexto da França pré-republicana: o religioso e o racionalista". Sade era adepto do ateísmo e era caracterizado por fazer apologia ao crime (já que enfrentar a religião na época era um crime) e a afrontas à religião dominante, sendo, por isso, um dos principais autores libertinos - na concepção moderna do termo. Em suas obras, Sade, como livre pensador, usava-se do grotesco para tecer suas críticas morais à sociedade urbana. Evidenciava, uma moralidade baseada em princípios contrários ao que os "bons costumes" da época aceitavam; moralidade essa que mostrava homens que sentiam prazer na dor dos demais e outras cenas, por vezes bizarras, que não estavam distantes da realidade.
Além de patrono do surrealismo, Sade é considerado um dos pioneiros da revolução sexual, com suas ideias libertárias e permissivas, e um dos primeiros a ter uma visão moderna da homossexualidade, pois defende a existência de diferentes orientações sexuais para a humanidade. A obra de Sade, constantemente proibida, serviu de base para a Psychopathia sexualis de Kraft-Ebing, que classificou as parafilias e incluiu nelas o sadismo, conceito que também seria muito importante para Freud e seus seguidores.
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