«Vocês sabem o que significa amar a humanidade? Significa apenas isto: estar satisfeito consigo mesmo. Quando alguém está satisfeito consigo mesmo, ama a humanidade. » Pirandello

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

LHASA DE SELA (1972-2010)


Lhasa de Sela, cantora e compositora nascida em Nova Iorque, mas profundamente influenciada pela cultura mexicana, faleceu no dia 1 de Janeiro deste ano, aos 37 anos de idade, de um cancro da mama, contra o qual lutava há 21 meses.
Desde a primeira vez que a sua voz se ouviu em disco que Lhasa surgiu aos melómanos como um ser vindo de outro mundo. Do seu álbum de estreia, La Llorona, composto a meias com o magnífico músico Yves Desroisiers, constavam apenas baladas cambaleantes, que versavam mitos pagãos mexicanos. Era um disco centrado na guitarra acústica de Desroisiers, com apontamentos de acordeão e banjo, mas que estava longe de ser "bonitinho", muito por força da voz de Lhasa, que dominava cada canção: possuidora de uma voz grave mas ampla, Lhasa tão depressa conseguia soar ébria, como apaixonada, como vingativa e como sensual. Podia ter uma voz de veludo, mas aquele veludo conhecia todo o tipo de nódoas. O êxito de "La Llorona" foi rápido e surpreendente. Lhasa contribuiu para o sucesso do disco: não só era tremendamente bonita como tinha igualmente uma história pessoal incomum que contribuiu, para o mito de "mulher misteriosa". Filha de pai mexicano e mãe americana-judia-libanesa, Lhasa não cresceu como a maior parte das raparigas. Os seus pais eram nómadas, e ela passou os primeiros anos de vida com eles e os irmãos on the road. Após a digressão de "La Llorona" juntou-se a um circo em França. Numa entrevista à Roots World, na altura do lançamento do seu segundo disco, "The Living Road", em 2003, Lhasa confessava que depois da digressão do primeiro disco abandonara tudo para ir para França porque se sentia "a morrer". A vida no circo, rodeada de alguns dos irmãos, era simples e repleta de tarefas, o que lhe agradava. "The Living Road" era um disco mais complexo, com guitarras e banjos. Vasco Sacramento, produtor musical, convidou Lhasa para uma digressão em Portugal. Sacramento disse, numa nota à imprensa, que "Lhasa de Sela não estava interessada no estrelato, na fama ou no dinheiro". Acrescentou ainda que Lhasa "parecia que cantava apenas por imperativo de consciência, sem grandes preocupações com a estratégia de mercado". Lhasa revelou-se ao início uma mulher distante, sempre acompanhada dos seus cadernos, com dificuldade em posar para fotografias. Não gostava que lhe fizessem muitas perguntas e no entanto, uma vez ganha a sua confiança, percebia-se que a sua distância era uma timidez congénita. Tinha o hábito de ouvir mais que falar e observava tudo à sua volta com uma intensidade que podia ser assustadora. Sabia deixar-se aproximar, mas precisava do seu momento de isolamento. Era sem dúvida reservada e intensa e tão doce quanto, ao que nos pareceu, assustada. O terceiro disco, "Lhasa", cantado em inglês, nunca foi devidamente promovido e já foi afectado pelas condições da sua saúde. Por esta altura já Lhasa colaborara com os Tindersticks e com Arthur H, cantor francês, e era um nome mais que firmado. Segundo os seus representantes, Lhasa, que só conseguia fazer o que queria, como queria e quando percebia o que verdadeiramente queria, tinha planos de fazer um disco com temas de Violeta Parra e Victor Jara. O seu site, Lhasadesela.com, abre com uma fotografia, de costas, o rosto encoberto pelo cabelo a esvoaçar ao vento. Em fundo há uma longa estrada. Um salmo diz: "Não serás como a palha que o vento leva." Lhasa teve a coragem de o ser, e foi maior por isso.

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