«Vocês sabem o que significa amar a humanidade? Significa apenas isto: estar satisfeito consigo mesmo. Quando alguém está satisfeito consigo mesmo, ama a humanidade. » Pirandello

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

VITORINO NEMÉSIO MENDES PINHEIRO DA SILVA (1901-1978)

SE BEM ME LEMBRO…

Vitorino Nemésio, nasceu na Praia da Vitória, ilha Terceira, em 1901.
A sua vida estudantil foi complicada, foi expulso do Liceu de Angra, reprovou no 5.º ano e sentia-se incompreendido pelos professores. Do período do Liceu de Angra, Nemésio apenas guardou boas recordações de um professor de história, que o introduziu na vida das letras.
Em 1916 publicou o seu primeiro livro de poesia, Canto Matinal.
Com 16 anos de idade, desembarcou na cidade da Horta, para se apresentar a exames. Nemésio acabou por concluir o Curso Geral dos Liceus, em 1918, com a qualificação de dez valores.
Apesar da idade, Nemésio chegou à Horta já imbuído de alguns ideais republicanos, pois em Angra do Heroísmo, já havia participado em reuniões literárias, republicanas e anarco-sindicalistas, tendo sido influenciado pelo seu amigo Jaime Brasil, cinco anos mais velho (primeiro mentor intelectual que o marcou para sempre) e por outras pessoas. Em 1918, em pleno final da Primeira Guerra Mundial, a Horta tinha um ambiente cosmopolita, possuía um comércio marítimo intenso e uma impressionante animação nocturna, a cidade era um porto de escala obrigatória. A sua estadia na Horta, contribuiu, decisivamente, para que ele viesse, mais tarde a escrever uma obra mítica, que dá pelo nome de Mau Tempo no Canal, trabalhada desde 1939 e publicada em 1944, cuja acção decorre nas ilhas Faial, Pico, São Jorge e Terceira, sendo que o núcleo da intriga se desenvolve na Horta.
Este romance evoca um período (1917-1919) que coincide em parte com a sua permanência na ilha do Faial. Em 1919, iniciou o serviço militar, como voluntário, em infantaria, o que lhe proporcionou a primeira viagem para fora dos Açores. Concluiu o liceu em Coimbra (1921) e inscreveu-se na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Três anos mais tarde, Nemésio trocou o curso em que se tinha matriculado, pelo de Ciências Histórico Filosóficas, da Faculdade de Letras de Coimbra e em 1925 matricula-se no curso de Filologia Românica.
Na sua primeira viagem que fez a Espanha, com Orfeão Académico, em 1923, conheceu Miguel Unamuno (escritor e filósofo espanhol (1864-1936), intelectual republicano, foi o teórico do humanismo revolucionário antifranquista) com quem trocou correspondência anos mais tarde.
Em 1926, casou em Coimbra com Gabriela Monjardino de Azevedo Gomes, de quem teve quatro filhos: Georgina (1926), Jorge (1929), Manuel (1930) e Ana Paula (1931).
Em 1930, Vitorino Nemésio transferiu-se para a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e no ano seguinte, conclui o curso de Filologia Românica, com elevadas classificações, começando desde logo a leccionar literatura italiana. A partir de 1931 Vitorino Nemésio deu inicio à sua carreira académica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde leccionou literatura italiana e mais tarde literatura espanhola.
Em 1934 doutorou-se em Letras pela Universidade de Lisboa com a tese A Mocidade de Herculano até à Volta do Exílio.
Entre 1937 e 1939 leccionou na Universidade Livre de Bruxelas, regressando neste último ano ao ensino na Faculdade de Letras de Lisboa.
Em 1958 leccionou no Brasil.
Em 1971, atingido pelo limite legal de idade para exercício de funções públicas, proferiu a sua última lição na Faculdade de Letras de Lisboa, onde ensinara durante quase 40 anos.
Foi autor e apresentador do programa televisivo SE BEM ME LEMBRO [QUE EU BEM ME LEMBRO], que muito contribuiu para popularizar a sua figura e dirigiu ainda o jornal O Dia entre 11 de Dezembro de 1975 a 25 de Outubro de 1976.
Vitorino Nemésio foi um dos grandes escritores portugueses do século XX, tendo recebido em 1965, o Prémio Nacional da Literatura e, em 1974, o Prémio Montaigne.
Faleceu em 1978, em Lisboa, no Hospital da CUF. Pouco antes de morrer, Nemésio pediu ao filho para ser sepultado no cemitério de Santo António dos Olivais, em Coimbra. Mas pediu mais: que os sinos tocassem o Aleluia em vez do dobre a finados. O seu pedido foi respeitado.
Vitorino Nemésio foi ficcionista, poeta, cronista, ensaísta, biógrafo, historiador da literatura e da cultura, jornalista, investigador, epistológrafo, filólogo e comunicador televisivo, para além de toda a actividade de docência.
Levou a cabo, na sua obra, uma transformação das tendências da Presença (que de certa forma precedeu), que garantiu a eternidade dos seus textos. Fortemente marcado pelas raízes insulares, a vida açoriana e as recordações da sua infância percorrem a obra do escritor, numa espécie de apelo, revelado pela ternura da sua inspiração popular, pela presença das coisas simples e das gentes, e pela profunda humanidade face à existência e ao sofrimento da vida humana.
Poesia
O Bicho Harmonioso (1938), Eu, Comovido a Oeste (1940), Nem Toda a Noite a Vida (1953), O Verbo e a Morte (1959), Canto de Véspera (1966), Sapateia Açoriana, Andamento Holandês e Outros Poemas (1976)
Nemésio é sobretudo um poeta, tal como ele próprio o afirma, uma vez que escrever poesia foi uma actividade ininterrupta mantida desde 1916 (com o Canto Matinal) até 1976 (Era do Átomo Crise do Homem).
Na opinião de Óscar Lopes, os volumes de versos podem-se agrupar em dois ciclos distintos e que se intersectam na obra, Nem toda a Noite a Vida, que é o mais heterogéneo de todos.
No primeiro ciclo a temática está relacionada com a insularidade, com a saudade à ilha, à infância, à adolescência, o pai e o seu primeiro amor proibido. Toda esta temática está bem visível em O Bicho Harmonioso e em Eu, Comovido a Oeste.
No segundo ciclo já se nota uma transmutação de temas, enveredando para uma temática religiosa e metafísica. Coloca questões acerca da vida e da morte, do ser (devir e permanência do ser), e da busca de sentido para a existência. Por isso o poeta é identificado com a corrente filosófica existencialista. A par desta poesia erudita o poeta cultiva também uma poesia popular profundamente marcada por símbolos de açorianidade, pelo que muitas vezes é acusado de regionalismo literário na sua obra.
Ficção
Paço de Milhafre (1924), Varanda de Pilatos (1926), Mau Tempo no Canal (1944), romance galardoado com o Prémio Ricardo Malheiros.
Os trechos de inspiração açoriana são bastante significativos na sua obra notando-se a presença de infantis lembranças, e amores, dores e agoiros de figuras de humildes que nestas páginas ficam vivendo, sob a obsessão circundante do mar, na opinião de Afonso Lopes Vieira. A sua experiência de ilhéu encontra-se presente na sua obra em geral, cuja vida no domínio da ficção se inicia em 1924, com a publicação do volume de contos Paço do Milhafre prefaciada por Afonso Lopes Vieira, e mais tarde rebaptizada com o titulo, O Mistério do Paço do Milhafre (1949).
Vitorino Nemésio ao longo de toda a sua carreira literária nunca deixou de surpreender os demais. O escritor nos seus romances conseguiu transmitir uma certa originalidade de escrita, sobretudo na descrição dos lugares e no desenho das personagens, e até dar uma certa generosidade humana, que se pode presenciar em Varanda de Pilatos, (1927) e no volume de novelas, A Casa Fechada, constituída por três histórias: O Tubarão, Negócio de Pomba e A Casa Fechada. Em relação a esta última história, a crítica foi bastante positiva e unânime, tendo sido considerada uma obra excepcional.
Contudo houve uma obra romanesca, mais complexa, variada, densa e subtil que é Mau Tempo no Canal, obra incomparável na literatura portuguesa do século XX. Este romance havia já sido "ensaiado" pela novela Negócio de Pomba, isto é, esta possui muitos aspectos que irão ser tratados a «posteriori» naquele romance.
Depois de ter escrito Mau Tempo no Canal, pode-se afirmar que Vitorino Nemésio nunca mais voltou aos trilhos do romance. Ele próprio afirma num inédito do seu espólio: Morro autor de um romance único. Mau Tempo no Canal, corresponde ao momento mais alto da sua vasta produção literária e é uma das obras-primas da literatura portuguesa.
Escreveu ainda Ensaio, Crítica e Crónica

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