«Vocês sabem o que significa amar a humanidade? Significa apenas isto: estar satisfeito consigo mesmo. Quando alguém está satisfeito consigo mesmo, ama a humanidade. » Pirandello

quinta-feira, 12 de março de 2009

OBRA DE GIL VICENTE

CONTEXTO HISTÓRICO - O teatro português não nasceu com Gil Vicente. Esse mito, criado por vários autores de renome, como Garcia de Resende ou o seu próprio filho, Luís Vicente, poderá justificar-se pela importância inegável do autor no contexto literário peninsular, mas não é de todo verdadeiro, já que existiam manifestações teatrais antes de 1502.
Já no reinado de Sancho I, os dois actores mais antigos portugueses, Bonamis e Acompaniado, realizaram um espectáculo, tendo sido pagos pelo rei com uma doação de terras. O arcebispo de Braga, refere-se, num documento de 1281, a representações litúrgicas, por ocasião das principais festividades católicas. Em 1451, o casamento da infanta Dona Leonor com o imperador Frederico III da Alemanha, foi acompanhado também de representações teatrais.
Segundo as crónicas portuguesas de Fernão Lopes, Zurara, Rui de Pina ou Garcia de Resende, também nas cortes de D. João I, D. Afonso V e D.João II, se faziam encenações espectaculares, no entanto pouco resta dos textos dramáticos pré-vicentinos.
No Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, existem alguns textos também significativos. É provável que Gil Vicente, tenha assistido algumas destas representações, mas superou-as em mestria e em profundidade.
A sua obra veio, no seguimento do teatro ibérico popular e religioso que já se fazia. Os temas pastoris, presentes na escrita de Juan del Encina vão influenciar fortemente a sua primeira fase de produção teatral e permanecerão esporadicamente na sua obra posterior, de maior diversidade temática e sofisticação de meios. De facto, a sua obra tem uma vasta diversidade de formas: o auto pastoril, a alegoria religiosa, narrativas bíblicas, farsas episódicas e autos narrativos.
O seu filho, Luís Vicente, na primeira compilação de todas as suas obras, classificou-as em autos e mistérios (de carácter sagrado e devocional) e em farsas, comédias e tragicomédias (de carácter profano). Contudo, qualquer classificação é redutora - de facto, basta pensar na Trilogia das Barcas, para se verificar como elementos de farsa se misturam com elementos alegóricos, religiosos e místicos.
Gil Vicente retratou, com refinada comicidade, a sociedade portuguesa do século XVI, demonstrando uma capacidade acutilante de observação ao traçar o perfil psicológico das personagens. Crítico severo dos costumes, de acordo com a máxima que seria ditada por Molière ("Ridendo castigat mores" - rindo se castigam os costumes), Gil Vicente é também um dos mais importantes autores satíricos da língua portuguesa. Em 44 peças, usou uma grande quantidade de personagens extraídos do espectro social português da altura. É comum a presença de marinheiros, ciganos, camponeses, fadas e demónios e de referências – sempre com um lirismo nato – a dialectos e linguagens populares. Acima de tudo, o autor exprime-se de forma inspirada, dionisíaca, nem sempre obedecendo a princípios estéticos e artísticos de equilíbrio. É também versátil nas suas manifestações: se por um lado, parece ser uma alma rebelde, temerária, impiedosa em demonstrar os vícios dos outros, quase da mesma forma que se esperaria de um inconsciente e tolo bobo da corte, por outro lado, mostra-se dócil e humano, na sua poesia de cariz religioso e quando se trata de defender aqueles a quem a sociedade maltrata.
O seu lirismo amoroso, por outro lado, consegue aliar algum erotismo e alguma brejeirice com influências mais eruditas (Petrarca, por exemplo).
ELEMENTOS FILOSÓFICOS - A obra de Gil Vicente transmite uma visão do mundo que se assemelha e se posiciona como uma perspectiva pessoal do Platonismo: existem dois mundos - o da serenidade e do amor divino, que leva à paz interior, ao sossego e a uma "resplandecente glória» e o outro, que retrata nas suas farsas: um mundo "todo ele falso", cheio de "canseiras", de desordem sem remédio, "sem firmeza certa". Estes dois mundos reflectem-se em temas diversos na sua obra: por um lado, o mundo dos defeitos humanos e das caricaturas, servidos sem grande preocupação de verosimilhança ou de rigor histórico.
Muitos autores criticam em Gil Vicente os anacronismos e as falhas na narrativa ("gaffes"), mas, para alguém que considerava o mundo retratado como pleno de falsidades, essas seriam apenas mais algumas, sem importância e sem dano, para a mensagem que se pretendia transmitir. Por outro lado, o autor valoriza os elementos míticos e simbólicos religiosos do Natal: demonstrando aí um zelo lírico e uma vontade de harmonia e de pureza artística, que não existe nas suas mais conhecidas obras de crítica social. Sem as características do maniqueísmo, que tantas vezes se constatam nas peças teatrais, de quem defende uma tal visão do Mundo.
A obra de Gil Vicente não se resume ao teatro, estende-se também à poesia. Podemos citar vários vilancetes e cantigas, ainda influenciadas pelo estilo palaciano e temas dos trovadores. Vários compositores, trabalharam poemas de Gil Vicente na forma de lied, como Max Bruch ou Robert Schumann, o que demonstra o carácter universal da sua obra. Os seus filhos, foram os responsáveis pela primeira edição das suas obras completas. Em 1586, foi publicada uma segunda edição, com muitas passagens censuradas pela Inquisição.
CONHEÇO ALGUMAS DAS SUAS OBRAS ATRAVÉS DA LEITURA E DO TEATRO:
Monólogo do Vaqueiro ou Auto da Visitação, Quem Tem Farelos?, Auto da Alma, Auto da Barca do Inferno, Farsa de Inês Pereira Auto de Mofina Mendes.

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