«Vocês sabem o que significa amar a humanidade? Significa apenas isto: estar satisfeito consigo mesmo. Quando alguém está satisfeito consigo mesmo, ama a humanidade. » Pirandello

segunda-feira, 2 de março de 2009

ANTÓNIO BOTTO (1897-1959)

Li de António Botto o livro «As Canções», que muito me sensibilizaram e que considerei de um grande lirismo. É a sua obra mais conhecida, e também a mais polémica, pelo seu carácter abertamente homossexual, que causou grande agitação nos meios religiosos e conservadores da época. Botto, foi amigo de Fernando Pessoa, que traduziu as suas Canções para inglês e com quem colaborou numa Antologia de Poemas Portugueses Modernos.

VIDA - A família, de António Botto, tinha as suas limitações económicas. O seu pai trabalhava como "marítimo" no rio Tejo. António nasceu em Abrantes e depois a família foi viver para o bairro de Alfama em Lisboa, onde cresceu num ambiente popular e típico, que muito influenciou a sua obra. Com poucos estudos, começou a trabalhar cedo em livrarias, que permitiram que conhecesse muitas das personalidades literárias da época. Depois foi funcionário público e também trabalhou em Angola.
DiZem que Botto tinha uma forte personalidade e as características eram: humor irónico e incisivo, mente e língua perversas e irreverentes e um conversador inteligente. Era amigo do seu amigo, mas gostava de ser tratado de maneira especial. Com este feitio ganhou grandes inimigos. Fisicamente, destacavam-se os seus olhos , estranhos, inquisitivos e irónicos. Alguns dos seus contemporâneos consideravam-no frívolo, mundano, inculto, vingativo, mitómano, maldizente e sobretudo, terrivelmente narcisista a ponto de ser megalómano.
Era visitante regular dos bairros boémios de Lisboa e das docas marítimas, onde desfrutava a companhia dos marinheiros, tantas vezes tema da sua poesia. Apesar de ser sobretudo homossexual, António Botto foi casado até ao final da sua vida ("O casamento convém a todo homem belo e decadente", como escreveu).
Em 1942, António Botto, foi demitido do seu emprego na função pública, por indisciplina, por dirigir galanteios a colegas, denunciando tendências condenadas pela moral social e por fazer versos e recitá-los na hora do trabalho.
Para se sustentar passou a escrever em jornais, e publicou vários livros, entre os quais "Os Contos de António Botto" e "O Livro das Crianças", que seria oficialmente aprovada como leitura escolar na Irlanda, sob o título The Children’s Book. Mas tudo isto não era suficiente e a sua saúde deteriou-se devido a sífilis. A sua poesia começou a desvanecer-se e começou a ser alvo de troça. Resolveu emigrar para o Brasil e arranjou dinheiro fazendo recitais de poesia em Lisboa e no Porto. Foram um sucesso e muito elogiados por, entre outros: Amália Rodrigues, João Villaret e o escritor Aquilino Ribeiro. Partiu para o Brasil, com a mulher. Sobreviveu escrevendo artigos e colunas em jornais Portugueses e Brasileiros, participando em programas de rádio e organizando récitas de poesia em teatros, associações, clubes e até botequins.
A sua vida foi-se degradando de dia para dia e acabou por viver na mais profunda miséria. A sua megalomania agravada pela sifílis, era gritante e não parava de contar histórias delirantes e incoerentes. Em 1956 ficou gravemente doente e foi hospitalizado por algum tempo. Três anos depois morreu, atropelado por um automóvel. Em 1966 os seus restos mortais vieram para Portugal.
OBRA – António Botto escreveu bastante, mas ainda não é conhecida toda a sua obra. A tempestade desencadeada por Canções e por "Sodoma Divinizada", bem como por outras obras e artigos que apareciam nas livrarias e jornais da época, foi tremenda e a Federação Académica de Lisboa, tendo como porta-voz Pedro Teotónio Pereira, denunciou no jornal "A Época", em Fevereiro de 1923, a "vergonhosíssima desmoralização, que sob os mais repugnantes aspectos, alastra constantemente". Os livros, de António Botto, Raul Leal e Judite Teixeira, acabaram por ser pelo Governo Civil. Fernando Pessoa e «Álvaro de Campos» protestam contra o ataque dos estudantes: "Ó meninos: estudem, divirtam-se e calem-se. (...) Divirtam-se com mulheres, se gostam de mulheres; divirtam-se de outra maneira, se preferem outra. Tudo está certo, porque não passa do corpo de quem se diverte. Mas quanto ao resto, calem-se. Calem-se o mais silenciosamente possível". Mas com pouco efeito. O impulso censório, moralista, obscurantista e homofóbico, ganhou força com o regime do Estado Novo e a revista "Ordem Nova", que se declara "antimoderna, antiliberal, antidemocrática, antibolchevista, antiburguesa, contra-revolucionária, reaccionária, católica, apostólica e romana, monárquica, intolerante, intransigente, insolidária com escritores, jornalistas e quaisquer profissionais das letras, das artes e da informação". É nesta altura que Botto emigra para o Brasil e Raul Leal será vitíma de espancamentos e deixará de escrever para jornais, durante 23 anos.
Botto publicou fundamentalmente várias livros de poesia, mas também, António, Isto Sucedeu Assim (ficcão), Os Contos de António Botto (literatura infantil), (teatro).

Anda vem...

Anda vem..., porque te negas,
Carne morena, toda perfume?
Porque te calas,
Porque esmoreces,
Boca vermelha --- rosa de lume?

Se a luz do dia
Te cobre de pejo,
Esperemos a noite presos num beijo.

Dá-me o infinito gozo
De contigo adormecer
Devagarinho, sentindo
O aroma e o calor
Da tua carne, meu amor!

E ouve, mancebo alado:
Entrega-te, sê contente!
--- Nem todo o prazer
Tem vileza ou tem pecado!

Anda, vem!... Dá-me o teu corpo
Em troca dos meus desejos...
Tenho saudades da vida!
Tenho sede dos teus beijos!

Sem comentários: