«Vocês sabem o que significa amar a humanidade? Significa apenas isto: estar satisfeito consigo mesmo. Quando alguém está satisfeito consigo mesmo, ama a humanidade. » Pirandello

quarta-feira, 8 de abril de 2009

CESÁRIO VERDE (1855-1886)


José Joaquim Cesário Verde – Nasceu em Lisboa e era filho de uma família de lavradores e comerciantes. Cesário matriculou-se no Curso Superior de Letras, mas só o frequentou durante poucos meses. Aí conheceu Silva Pinto, grande amigo para sempre. Cesário escrevia poesia e trabalhava nos negócios, que tinha herdado do pai. Em 1877 começou a ter sinais de tuberculose, doença que já vitimara o irmão e a irmã. Tentou curar-se da tuberculose, sem sucesso, acabando por morrer com 31 anos. No ano seguinte Silva Pinto organizou, O Livro de Cesário Verde, uma compilação da sua poesia.
Há escritores, que apenas deixaram um livro e esse único livro torna-se fundamental na literatura, não era preciso mais, está tudo lá. Cesário Verde foi um escritor de um só livro, como por exemplo: Camilo Pessanha e António Nobre. No entanto são escritores incontornáveis. Também um escritor, pode escrever muitos livros e só um deles ser marcante e todos os outros andarem à volta da mesma temática.
A poesia de Cesário, tem influências impressionistas e uma extrema sensibilidade ao retratar a Cidade e o Campo, seus cenários predilectos. Evitou o lirismo tradicional, expressando-se da forma mais natural possível. Para o poeta, o real exterior é apreendido pelo mundo interior que o interpreta e recria com grande nitidez, numa atitude de captação do real pelos sentidos, com predominância dos dados da visão: a cor, a luz, o recorte e o movimento.
A supremacia exercida pela cidade sobre o campo leva o poeta a tratar estes dois espaços em termos dicotómicos. O contacto com o campo na sua infância determina a visão que dele nos dá, o campo não tem um aspecto idílico, paradisíaco, bucólico, susceptível de devaneio poético, mas sim um espaço real, concreto, autêntico, que lhe confere liberdade. Na cidade, o ambiente físico, cheio de contrastes, apresenta ruas macadamizadas/esburacadas, casas apalaçadas, habitadas pelos burgueses e pelos ociosos, edifícios cinzentos e sujos... O ambiente humano é caracterizado pelos calceteiros, cuja coluna nunca se endireita, pelos padeiros cobertos de farinha, pelas vendedeiras enfezadas, pelas engomadeiras tísicas, pelas burguesas...
A arte de Cesário Verde é, pois, reveladora de uma preocupação social e intervém criticamente. O campo oferece ao poeta uma lição de vida multifacetada que ele transmite com objectividade e realismo. Trata-se, pois, de uma visão concreta do campo e não da abstracção da Natureza. A força inspiradora de Cesário é a terra-mãe, sendo nela que Cesário encontra os seus temas.
Podemos afirmar a sua aproximação a várias estéticas. Assim, se se tiver em conta o interesse pela captação do real, pelas cenas de exterior, por quadros e figuras citadinos, concretos, plásticos e coloridos, é fácil detectar aqui a afinidade ao Realismo. A ligação aos ideais do Naturalismo verifica-se na medida em que o meio surge determinante dos comportamentos. Pela objectividade dos temas, baseados na Natureza e no quotidiano, assim como pelas formas exactas e correctas, podemos ver afinidades com o Parnasianismo. Note-se a objectividade defendida por esta escola e pelo autor, mas a subjectividade presente nas suas composições, constitui um desvio em relação à escola parnasiana. Por último, aproxima-se dos impressionistas que captam a realidade, filtrada pelas percepções.
“O sentimento de um ocidental” aquele em que é mais clara a descrição do dia-a-dia como ponto de partida para a revolta contra a vivência desumana da cidade. Poema extraordinário que começa assim:
Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer. ../..
O mais conhecido e que parece um quadro de Renoir é:
DE TARDE
Naquele “pic-nic” de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.

Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão de bico
Um ramalhete rubro de papoulas.

Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, indo o sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos
E pão de ló molhado em malvasia.

Mas, todo púrpuro, a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas!

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