«Vocês sabem o que significa amar a humanidade? Significa apenas isto: estar satisfeito consigo mesmo. Quando alguém está satisfeito consigo mesmo, ama a humanidade. » Pirandello

quinta-feira, 2 de abril de 2009

3 POEMAS DE ANTÓNIO NOBRE

Nas rochas de leça da Palmeira

VAIDADE, TUDO VAIDADE!


Vaidade, meu amor, tudo vaidade!

Ouve: quando eu, um dia, for alguem,

Tuas amigas ter-te-ão amizade,

(Se isso é amizade) mais do que, hoje, têm.


Vaidade é o luxo, a gloria, a caridade,

Tudo vaidade! E, se pensares bem,

Verás, perdoa-me esta crueldade,

Que é uma vaidade o amor de tua mãe...


Vaidade! Um dia, foi-se-me a Fortuna

E eu vi-me só no mar com minha escuna,

E ninguem me valeu na tempestade!


Hoje, já voltam com seu ar composto,

Mas eu, ve lá! eu volto-lhes o rosto...

E isto em mim não será uma vaidade?

PAZ!

E a Vida foi, e é assim, e não melhora.

Esforço inutil, crê! Tudo é illuzão...

Quantos não scismam n'isso mesmo a esta hora

Com uma taça, ou um punhal na mão!


Mas a Arte, o Lar, um filho, Antonio?

Embora! Chymeras, sonhos, bolas de sabão.

E a tortura do além e quem lá mora!

Isso é, talvez, minha unica afflicção...


Toda a dor pode suspportar-se, toda!

Mesmo a da noiva morta em plena boda,

Que por mortalha leva... essa que traz...


Mas uma não: é a dor do pensamento!

Ai quem me dera entrar n'esse convento

Que ha além da Morte e que se chama A Paz!

O SONO DO JOÃO

O João dorme...

(Ó Maria, Dize áquella cotovia

Que falle mais devagar:

Não vá o João, acordar...)

Tem só um palmo de altura

E nem meio de largura:

Para o amigo orangotango

O João seria... um morango!

Podia engulil-o um leão

Quando nasce! As pombas são

Um poucochinho maiores...

Mas os astros são menores!

O João dorme... Que regalo!

Deixal-o dormir, deixal-o!

Callae-vos, agoas do moinho!

Ó mar! falla mais baixinho...

E tu, Mãe! e tu, Maria!

Pede áquella cotovia

Que falle mais devagar:

Não vá o João, acordar...

O João dorme... Innocente!

Dorme, dorme eternamente,

Teu calmo somno profundo!

Não acordes para o mundo,

Póde affogar-te a maré:

Tu mal sabes o que isto é...

Ó Mae! canta-lhe a canção,

Os versos do teu irmão:

«Na Vida que a Dor povoa,

Ha só uma coisa boa, Que é dormir, dormir, dormir...

Tudo vae sem se sentir.»

Deixa-o dormir, até ser

Um velhinho... até morrer!

E tu vel-o-ás crescendo

A teu lado (estou-o vendo João! Que rapaz tão lindo!)

Mas sempre, sempre dormindo...

Depois, um dia virá

Que (dormindo) passará

Do berço, onde agora dorme,

Para outro, grande, enorme:

E as pombas que eram maiores

Que João... ficarão menores!

Mas para isso, ó Maria!

Dize áquella cotovia

Que falle mais devagar:

Não vá o João, acordar...

E os annos irão passando.

Depois, já velhinho, quando

(Serás velhinha tambem)

Perder a cor que, hoje, tem,

Perder as cores vermelhas

E for cheiinho de engelhas:

Morrerá sem o sentir,

Isto é deixa de dormir...

Acorda e regressa ao seio

De Deus, que é d'onde elle veio...

Mas para isso, ó Maria!

Pede áquella cotovia

Que falle mais davagar:

Não vá o João, acordar...
(ESTE POEMA FAZIA PARTE DO LIVRO ESCOLAR DE LEITURA E QUASE O SABIA DE COR)

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